sábado, 31 de março de 2012
sexta-feira, 30 de março de 2012
Millor: Eu esculhambo, tu esculhambas...
Entrevista
concedida a Laura Greenhalgh e Sérgio Augusto. Publicada no ESTADO DE S. PAULO
em 14 de Agosto de 2005
E assim publicitários, políticos,
homens da mala e secretárias assaltam o País e vão dando razão à máxima de
Millôr: o ser humano é inviável
Enquanto
a crise política continua provocando estados de comoção e desapontamento,
Millôr Fernandes, 82 anos, afirma de boca cheia: "Sou indecentemente
feliz". Alienado? Jamais. Está de olhos e ouvidos atentos a tudo - em
particular aos tropeços e contradições dos que freqüentam as salas das CPIs ou
o púlpito dos comunicados oficiais. Entre delcídios e delúbios, o "guru do
Méier" se esbalda. "Lula não tem consciência da própria
ignorância", analisa. "Chávez é um patife", assume sem medo de
ser atrevido. "Jefferson ainda vai entrar para a História", avisa.
"A esculhambação no País é geraaaal", diz expandindo a vogal, num
exagero calculado.
O
olhar fixo na CPI começa cedo, ou melhor, começa assim que um amigo do peito
faz soar o lembrete pelo telefone: "Já começou o depoimento da Zilmar. Vai
lá, liga a tevê". No ateliê em Ipanema, onde Millôr trabalha todos os
dias, as questões de ordem de Brasília começam a provocar o mestre. A cada uma
daquelas afirmações que não passariam pelo detector de mentiras, Millôr rebate
que a canalhice é imensa, a ignorância não tem limites e o ser humano é
inviável. Dispara palavrões com sua balística demolidora e confirma-se no posto
de temível observador (ou seria dissecador?) da cena política nacional.
Por
que se sente "indecentemente feliz"? "Porque não vivo para
comprar iate e tenho dinheiro para pagar minhas contas", explica o
jornalista, escritor, dramaturgo, ilustrador e requintado tradutor dos
clássicos, que não gosta de ser chamado de erudito. "Sou um oligofrênico
topográfico. Me perco até em porta giratória", caçoa. Ateu confesso,
carrega na alma amuletos contra o politicamente correto. Odeia certinhos ("e
o ACM Neto com aquelas roupinhas, hein?") e amaldiçoa a publicidade
("ela vende mentiras"). Entre os cacoetes que cultiva, sente um
prazer incomensurável de dizer que "Hitler era viado". Tiradas assim
recheiam a coletânea Todo Homem é Minha Caça, que a editora Record acaba de
relançar. É livro de 1981, que não perdeu nem o viço nem a verve do autor.
Nesta
entrevista exclusiva para o Aliás, Millôr pede que seus palavrões não sejam
substituídos pelo "eufemismo dos três pontinhos". E a primeira
pergunta, leitores, é do entrevistado: "Vamos começar a entrevista assim:
Freud era um gênio ou um bobalhão?".
Tudo bem, Millôr, podemos começar
por aí. Gênio ou bobalhão?
Nem
uma coisa nem outra. Lembra as brigas que Freud tinha com o Jung? No fundo, era
briga de duas bichas-loucas. Uma historiadora italiana conta uma passagem ótima
com o neto do Freud. O neto pergunta: "Vovô, mulher tem perna?". Faz
sentido. Freud nunca viu perna de mulher e fez sua obra girar em torno do sexo.
Na época dele, as pessoas iam para a cama e nem tiravam a roupa, a relação era
um extra. Em compensação hoje chegamos a um ponto que, se você quiser viver um
pouco mais calmo, tem de evitar o sexo, porque a transa é fácil, é imediata.
Quando
Freud foi para os Estados Unidos com Jung, o reitor de uma universidade quis
homenageá-lo, afinal, os americanos se curvavam à psicanálise como ciência.
Como sempre, Freud "medrou" e não foi à cerimônia. Jung foi. O reitor
fez as apresentações e no final errou. Pediu uma salva de palmas para o doutor
Sigmund Freud. É assim que se faz: as pessoas jogam sua crença numa coisa
científica e depois votam no Lula.
Pronto, entramos na política. Você
tem acompanhado as CPIs?
Acompanho
tudo. E alguém consegue deixar de ver? Que país maravilhoso é esse Brasil, que
acontece essa esculhambação homérica e até agora não tem ninguém preso... Os
contestados, os ameaçados, todos falam de dedo em riste!
Tempos atrás você teria dito que o
Brasil é ingovernável. É mesmo?
Não
disse que o Brasil é ingovernável. Não diria isso até porque o problema não é o
Brasil. Veja o que aconteceu na Espanha pós-Franco. Era uma roubalheira
desenfreada com o González. Aquela gente roubava dinheiro em parceria com o
ETA! Era dinheiro para dar armas, dinheiro para tirar armas... Na Inglaterra, o
filho da senhora Thatcher meteu a mão. O filho do Kofi Annan também, e o pai se
faz de distraído.
Ou seja, roubalheira não é coisa
nossa?
O
que eu acho é que roubalheira, no Brasil, é algo desumano. A corrupção na época
de Henrique VIII era briga de foice. O papado, aquela coisa sórdida de tirar
dinheiro de todo mundo. Você tinha os pecadores, os pecaminosos e os puros. O
negócio das indulgências prosperou porque as pessoas queriam morrer em pureza.
Acabaram por descobrir a pureza absoluta, que é a do Cristo, e assim
inauguraram o Banco Central das indulgências. O sujeito era considerado louco,
tísico ou leproso se não desse a grana. Já no século 18, quando a burocracia
foi criada, aí despejaram veneno no mundo. O burocrata é o fim de linha. É o cara
que fica na ante-sala e não deixa você falar com quem decide.
A mala é o símbolo dessa crise.
Mala para caixa dois, para recolher dízimo dos fiéis, para empréstimo...
Reedita-se a antiga figura do "homem da mala", o sujeito que paga
tudo, que arca com as despesas...
Um
momento. Quando eu vi a mala com que os agentes da Abin grampearam aquele cara,
não acreditei. Eles compraram aquela coisa de um contrabandista do Paraguai, só
pode ser. Hoje você filma o sujeito com uma microcâmera instalada no relógio de
pulso, e a imagem é digital, o som, perfeito... O que era aquela mala da Abin?!
Pois o presidente jura que não tem
nada a ver com isso tudo.
As
pessoas não gostam quando falo isso, mas 95% da humanidade é absolutamente
idiota, e os outros 5% são discutíveis. O Lula veio de baixo, é um homem de
origem humilde, mas o partido dele tem 25 anos. Se não foi no primeiro, no
segundo ou no terceiro ano, em algum momento ele passou a receber dinheiro, até
como forma de salário do PT. Ora, Lula tem 59 anos. Há 25 anos, tinha 34. Com
essa idade ainda se pode ir para o colégio.
Passei
mais fome do que ele, a diferença é que eu era carioca. Meu pai morreu quando
eu tinha 1 ano, minha mãe, quando eu tinha 10, nós descemos de classe média
para proletariado e depois para lumpesinato. Não havia literalmente o que
comer, e nem por isso fiquei me queixando. Quando passei de 100 para 300 réis
de salário, ia para o curso do Liceu de Artes e Ofícios e pagava para estudar.
Não fiquei esperando o Estado bancar.
Você acha que o presidente tem essa
mágoa não resolvida, a mágoa da miséria?
Hitler
também veio de baixo. Era um filho da puta no meio daquela Áustria cheia de milionários.
Agora fica essa conversa de que a elite não engole o Lula. Acabei de escrever
uma nota para a Veja com a relação de lucros dos seis ou sete maiores bancos do
País. A lista da elite. O que menos lucrou declarou ganhos da ordem de R$ 1,5
bilhão! Daí escrevi: enquanto isso, um bando de vagabundos vai ao Banco Central
de Fortaleza e rouba R$ 160 milhões. Mas já se disse: "O que é um assalto
ao banco diante de um banco?".
Não há mesmo jeito de acabar com a
corrupção?
Corrupção
é câncer que não se extirpa. O pessoal se recolhe por um tempo, mas depois
volta a meter a mão. Tenho uma idéia: o Brasil deveria instituir o voto contra.
Não tem o voto a favor? Então, quero votar contra o Maluf, por exemplo. Duvido
que o Garotinho se eleja para alguma coisa.
O que você diz das promessas de
faxina ética, das manifestações populares, das convocações pela internet? Vem
aí uma onda patriótica?
Tem
esse movimento pedindo paz, que coisa linda, e os caras lá do morro vendo tudo
e dando risada. Conhece aquela frase? "O patriotismo é o último refúgio do
canalha." E eu acrescentaria: no Brasil, é o primeiro. Agora tem a
denúncia de que pagaram despesas do presidente no valor de R$ 29 mil. Não é
nada na escala da roubalheira. Mas, como o salário mínimo é R$ 300, R$ 29 mil
equivalem a oito anos de trabalho de uma pessoa que vive com essa mixaria!
Você teve problemas com o
ex-ministro Aldo Rebelo?
Escrevi
alguma coisa quando ele fez a tal lei proibindo estrangeirismos. Ora, quando os
portugueses chegaram a este país trouxeram a língua deles, e pronto. Se não,
até hoje estaríamos falando nhangatu, na base do "nós não sabe falar
português".
Mas de onde veio a bronca do
ministro?
Ele
baixou a tal lei e eu escrevi que aquilo era idioletice (sistema lingüístico de
um indivíduo). O homem se sentiu ofendido e me processou. As pessoas não têm
obrigação de saber o que é idioletice, mas o ministro tem. Ele pediu uma
indenização de R$ 30.200, já quantificando o que queria receber! Não disse que
ele é um idiota, mas pergunto: no politicamente correto não se pode dizer que
um sujeito é idiota? Esse pessoal do governo não sabe que existe poesia, prosa
e língua falada. Você escreve poesia. Você escreve prosa. Mas você fala a
língua. Fala e vai modificando a língua.
O ministro foi mexer justo com
você, um tremendo frasista.
Gosto
da precisão da frase. Sartre diz: "O inferno são os outros". Certo,
mas eu completo: "E o céu também". Há o dito popular: "Cão que
ladra não morde". Eu acrescento: "Enquanto ladra". A igreja
prega que "o dinheiro não é tudo". Não é mesmo, dinheiro não compra a
juventude, o vigor físico, a inteligência, a felicidade, etc., etc. Então eu
diria assim: "Tudo é a falta de dinheiro".
Como ficou o processo?
Respondi
com um arrazoado para o ministro, queria ver advogado fazer algo parecido.
Mostrei o que é idioletice, fiz um histórico da palavra em várias línguas, fui
chamando o sujeito de ignorante de alto a baixo. Entreguei o arrazoado para o
departamento jurídico do jornal e esqueci o caso. Mas veja a truculência do
método: se eu escrevi um artigo e fui processado, o que dizer da imprensa? Ela
pode ser intimidada por esses caras. Eles não sabem que sou uma pessoa honesta
por imposição do mercado.
Como assim?
Toda
vez que me disponho a ser corrompido, não chegam no meu preço. Quando me dão 5
mil, pode ter certeza que eu tinha pensado em 10 mil. Daí vem um sujeito e me
oferece 20 mil, eu que não estou acostumado já vou logo perguntando: o que é
que você está pensando de mim?! Vou contar uma piada. O camarada embarca num
avião e vai para Nova York com uma mulher linda na poltrona ao lado. Viaja
horas entusiasmado, louco para puxar conversa com aquele mulherão. Faltando uma
hora para terminar o vôo, toma coragem e diz: "Olha, estamos chegando,
você é linda, maravilhosa, se eu lhe oferecer US$ 100 mil, você passa uma noite
comigo?".
A
mulher olha para ele, pensa e acaba aceitando, afinal, são US$ 100 mil. Passa
meia hora e o sujeito abre o jogo: "Estou perdido de encanto por você, mas
na verdade eu só posso oferecer US$ 10 mil". A mulher pensa, pensa, vá lá,
está bem. Quase na hora da chegada, o sujeito diz que está em dificuldades
financeiras, que pode apenas oferecer US$ 1.000 dólares pela noite. A mulher
reage: "O quê?! Está pensando que eu sou uma prostituta?". Ao que o
sujeito responde: "Isso ficou estabelecido na primeira conversa. Agora
estamos apenas discutindo o preço".
Millôr, você que é tradutor de mão
cheia, que tem interesse pelas palavras, como se sente assistindo às CPIs? A
língua tem sido maltratada?
Completamente.
Não só pelos depoentes como pelos interrogadores. Eles não batem "lé"
com "cré", não há preposição no lugar certo, não tem plural, não tem
verbo no tempo adequado... Sabe o que escrevi sobre essa turma? "Estão
convencidos de que a regência acabou com a proclamação da República". Este
país é incrível... Daí vêm os gays e começam a bancar apostas para saber quem é
o mais gostosão da CPI. Parece que o Delcídio está ganhando, com algo em torno
de 53% dos votos, contra Antonio Carlos Magalhães Neto, que teria 38%. Ah, o
ACM Neto, com aquelas roupinhas... Deve estar furioso.
O que você acha das metáforas do
presidente?
Futebolísticas.
Antes mesmo que ele chegasse ao poder supremo, eu disse do Lula: "A
ignorância subiu-lhe à cabeça". Isso não é piada! O homem popular é
"endeusável" enquanto está no popular. Quando está, por exemplo, no
botequim. Mas não se deve tirá-lo do botequim para discutir na Academia
Brasileira de Letras, porque um mínimo de coisas esse sujeito tem de saber. Tem
de saber que houve gregos, romanos, a Renascença. Tem de saber!
O que é cultura, Millôr?
Vou
lhe dizer. Estou lendo o novo livro do Stephen Hawking, aquele cientista todo
aleijadinho. Só um idiota vai achar que se pode ler esse livro de ponta a
ponta. Então leio cinco páginas hoje, dez amanhã e, quando terminar, se tiver
compreendido 20%, será muito. Cultura é isso: entender a extensão da própria
ignorância. Lula não tem consciência da sua ignorância.
Seria o "endeusamento" do
homem popular?
É
o que estou dizendo. Quando ele começou a falar para platéias estrangeiras
percebendo que não precisaria saber inglês, francês ou alemão, porque contava
com a tradução simultânea, quando se deu conta de que Bush só fala bushismos e
que o Chirac só está a fim de falar francês, daí relaxou. Sentiu-se bem entre
os monoglotas do poder. O que o Lula não sabe é que todo império é monoglota -
sempre. Os portugueses chegaram dominando pela língua. Lula é fronteiriço.
O que é ser fronteiriço?
Quando
está no meio dele, usando metáforas futebolísticas, ele se sai bem. Quando o
meio é outro, ele se perturba. Pelos discursos que faz, o que se nota é a falta
de coerência. Por exemplo: o caso do filho dele, acusado de ter montado uma
empresa com favorecimentos. Numa hora, Lula discursa e diz que é preciso apurar
tudo. Meia hora depois, reaparece dizendo que a família está sendo atacada. E
fala, fala, ininterruptamente! É fronteiriço, não sabe o que está lhe
acontecendo.
Como uma derrocada do Lula vai
bater no povão? O self-made man à brasileira é um projeto que não deu certo?
Espera
aí, self-made man é outra coisa, não é o sujeito que chega no topo de qualquer
maneira. Você pode me dizer: Millôr, você é um preconceituoso. Não sou. A vida
é normativa, como a própria Presidência. Por exemplo, o sujeito não pode ser
presidente com menos de 35 anos. Isso é um critério. Você não operaria seu
cérebro com um médico sem diploma. Nem voaria num avião conduzido por um
sujeito que não é piloto. Imagina só: o piloto não aparece e a companhia aérea
recruta um faxineiro do PT que estava ali, dando sopa. Você embarcaria? O povão
tem o direito de eleger quem quiser e pode fazer burrada. No caso do Lula, não
foi só o povão, não. Fomos todos nós.
Você está dizendo que o
"povão" vota mal?
Vota
por questões sensoriais. Não é só aqui. Na Alemanha de hoje, um candidato
neonazista pode não ganhar, mas vai ter uma boa votação. O cara não precisa nem
ter aquele bigodinho, aquele cabelinho de viado que o Hitler tinha. Aliás, abre
parêntese: Berlim tem 3 milhões de habitantes. Sabe quantos são os gays
confessos? Uns 300 mil, fora os que estão no armário, os que não saíram do
bunker. Hoje, em certas partes da Europa, como já não se estigmatiza ninguém, o
sujeito deve declarar sua opção preferencial ao ocupar um cargo público.
Pergunto: se o camarada diz que é, mas não é, seria falsidade ideológica? Fecha
parêntese.
A crise política pode dar margem ao
aparecimento de um novo Collor?
Não
tem dúvida. Aqui no Brasil, quando se passa por um período de esculhambação
generalizada, a sociedade cobra lei e ordem. Daí pode pintar um tipo desses,
sim. É o perigo. Até hoje na Itália fala-se com saudade que, na época do
Mussolini, os trens chegavam na hora. A verdade é que o mundo sempre fez acordo
com a hipocrisia e a canalhice é imensa. Se não tivessem tirado o pão da boca
do Pedro Collor, ele não teria falado. E o Roberto Jefferson? Quando percebeu
que a bomba ia explodir em cima dele, resolveu falar. E se converteu numa
figura histórica.
Você acredita que Jefferson passará
para a História?
Claro,
ele derrubou a República e acabou com o PT!
O que você achou do pronunciamento
que o presidente fez à Nação, na sexta-feira?
Resultado
da ignorância dele e dos "intelectuais" que o assessoram. Como é que
ele fala no "partido que eu fiz"? Isso não se diz assim, na primeira
pessoa. O uso do "nós"é um aprendizado cultural que Lula não teve. E
aquele grupo de ministros que assistia ao pronunciamento? Lamentável. Eu até
fiz uns versinhos. Chama-se "Poema em ão". É assim: Se ele sabe do
mensalão/é charlatão./Se ele não sabe/é um boçalão. Eu me senti ofendido com o
pronunciamento.
Por que ofendido?
Porque
é muita ignorância. Não adianta, livro é livro e essa gente não leu nada, não
escreveu nada. Até a bicha-louca do Hitler escreveu um livro na cadeia, que,
convenhamos, até fez certo sucesso. "Vão ter de me engolir", diz Lula
parodiando Zagallo, que não é lá o meu filósofo predileto. Daí avisei: ele
agora vai aprofundar mais e citar o Chacrinha. Prefiro ficar com a minha
filósofa, Dercy Gonçalves, que aos 98 anos anda dizendo o seguinte: "Hoje
puta é status". Fernanda Karina, a secretária, acusou e já foi se
preparando para sair nua na Playboy. Ao que parece, o material não foi
aprovado. Uma coisa que humilha a gente é ouvir "não quero posar nua,
quero ser reconhecida pelo meu trabalho". Eu não quero ser reconhecido
pelo meu talento, quero sair nu na Playboy!!
Certa vez Paulo Francis atribuiu a
seguinte frase a você: "Se o Lula for eleito, o Brasil vai virar uma
Romênia". Você de fato disse isso?
Não
me recordo. Disse alguma coisa parecida em relação ao João Amazonas, o velho
comunista. Escrevi o seguinte: "Revelado. João Amazonas tem uma conta na
Albânia". E vou adiante. "José Dirceu tem uma conta em Cuba. Marcos
Valério tem uma conta em Las Vegas." E o jantar que o Lula teve com o
Chávez, sem avisar o Itamaraty? É ou não é a prova de que é fronteiriço? Este
Chávez, que é um patife um pouco mais esperto, vem aqui para tirar uma castanha
qualquer da brasa. A esculhambação geral vai dar num ridículo atroz.
É o fim do sonho socialista?
Olha
aqui, a idéia do socialismo é maravilhosa. Como a idéia do cristianismo. Mas,
na minha vida toda, eu nunca encontrei um cristão e um comunista de verdade.
Sou um humanista ateu. No entanto, sou mais comunista e mais cristão que muita
gente. Eu me responsabilizo pelas empregadas que me atendem. Não vou
abandoná-las jamais. A idéia do socialismo é incrível, mas está fadada a não
dar certo. Porque o ser humano não é isso. Ele é capitalista na essência.
Quando desabou a União Soviética, fiquei surpreso com o tamanho do rombo
econômico, mas a máfia já estava lá. Já tinha milionário, já tinha carrão na
porta do restaurante. Tudo bem, sempre se pode colocar todas as contas na
internet, fazer pressão, protestar na rua, mas, quando o "partido da
pureza" chega ao poder imitando o modelo mexicano, daí não dá! Olha aqui,
não vejo como o mundo possa se salvar.
Hoje dois publicitários estão no
epicentro do escândalo - Marcos Valério e Duda Mendonça.
Não
é por acaso. O jornalismo é uma profissão cujo objetivo "filosófico"
é trazer à tona certas coisas que as pessoas não sabem. Tem um compromisso com
a verdade. Agora, qual é o objetivo "filosófico" da publicidade? A
mentira. É mentir sobre o sabonete, a maionese, a margarina, o político. Fazer
anúncio sobre seguro médico é uma ofensa. Fico envergonhado ao ver que os
bancos estão tomando dinheiro dos velhinhos e os atores da Globo anunciam isso.
Os velhinhos pegam o dinheiro e pagam juro antecipado! É uma indecência. E por
que o Estado tem de fazer publicidade? O que o Ministério da Saúde precisa é
divulgar o calendário das vacinas, coisas assim. Não tenho respeito pela
publicidade. Os caras ficam aí se gabando de que sabem fazer slogans e passam
anos para criar coisas como "Coca-cola. É isso aí". De quantos
slogans precisam? Faço dez agora.
Você poderia fazer algumas das suas
"definições apertadinhas"?
Vamos
lá. Deixa pegar meus óculos. Não sei fazer definição sem eles.
Cueca.
Banco
de dados. Afinal, todo o dinheiro que o sujeito levava era dado.
Mensalão.
Estupro
econômico-social que não ousa dizer seu nome.
Repilo.
Poderia
ser marca de repelente.
Campo Majoritário.
Maracanã.
Sujeito vertical.
Indivíduo
que se curva ao menor vento contrário.
Opportunity.
A
melhor tradução seria: Daniel Dantas.
Banco Rural.
Como
diz a publicidade, nem parece um banco.
Lobista.
Praga
para matar com "repilente".
Salário mínimo.
Salário
máximo pago a um pobre diabo.
Comissão de Ética.
Ética
que já vem com preço.
quarta-feira, 28 de março de 2012
Millôr Fernandes deixa o Brasil enlutado
Neste
fatídico dia 27 de março faleceu o mestre Millôr Fernandes, aos 87 anos de
idade, em sua casa. Uma pena! Um AVC no início de 2011 já havia sido o motivo
de sua internação no CTI do Hospital São Vicente, no Rio de Janeiro. Na
oportunidade ele também teve complicações renais e fora submetido a diálise.
Segundo
o jornalista da Band Ricardo Boechat, que conversou com o filho de Millôr, Ivan
Fernandes, o corpo do escritor será velado nesta quinta-feira, dia 29, a partir
das 10h, no cemitério Memorial do Carmo, no Caju, zona portuária do Rio. Em
seguida, às 15 h, o corpo será cremado.
A
presença de Millôr Fernandes no meu imaginário está muito ligada às suas
traduções que fez de Shakespeare e ao haikai. A ele se deve muito do
desenvolvimento dessa forma poética no Brasil, sempre a partir das suas tiradas
humorísticas nas revistas O Cruzeiro, primeiramente, e depois na Veja. Millôr
deu um ar descontraído ao haikai, o aproximando do poema-piada, tratando sempre
de questões unicamente humanas, em tom irônico ou satírico.
Em
seu livro Hai kais, em breve introdução à obra, Millôr afirma ver o haikai como
uma forma fundamentalmente popular e, inúmeras vezes, humorística. E assim
compôs e publicou os seus sempre acompanhados por ilustração que acentua o
sentido cômico dos seus versos.
Alguns
haikais de Millôr Fernandes
Viva
o Brasil
Onde
o ano inteiro
É
primeiro de abril
***
O
velho pinho
Não
dá mais pinha;
Só
passarinho
***
Velho
de dar dó.
Se
for espanado
Volta
ao pó.
***
Escritores:
Pensador
é o que cita
Pensadores!
***
Esquece
os preitos.
No
banheiro só existem
Teus
defeitos
segunda-feira, 26 de março de 2012
Embarque em Stockwell Station
Roger
Waters, líder da lendária banda Pink Floyd, está no Brasil em turnê com um show
dedicado a Jean Charles de Azevedo - imigrante brasileiro, confundido com um homem-bomba
e morto no metrô
de Londres
com tiros à queima-roupa por forças da unidade armada da Scotland Yard, em 2005 -
e sua família, segundo ele, “pela luta pela verdade e justiça e a todas as
vítimas do terrorismo de Estado”. O baixista criticou a própria Inglaterra, seu
país natal, que cometeu "um terrorismo de Estado" ao assassinar o
brasileiro.
A
retomada do tema me fez lembrar um poema do baiano Renato Prata, Embarque em Stockwell Station, publicado
em seu segundo livro, “A quinta estação”, de 2007, em que o autor reflete sobre
a questão, demonstrando estar em harmonia e sintonia com os dramas e dissimulações
de seu tempo.
Embarque em Stockwell Station
Não desistirei
de ganhar o pão
E corro
para o trabalho
Aqui
desterrado não serei um cidadão do mundo
Talvez me
ignorem
Talvez
estranhem o meu tipo
Lá um dia
saberão o que tiver de ser
Terá meu
visto expirado?
Sei o
agora
O
trabalho é meu destino
Desço
para o metrô
Eis que o
vagão me espera
Sento em
algum lugar
É quando
o destino se antecipa
Sou
alvejado no ombro
Sete
balas me coroam.
domingo, 25 de março de 2012
Obrigado Chico Anysio!!!
Já
que está todo mundo homenageando Chico Anysio, eu também vou entrar nessa,
afinal, sou daqueles que cresceram assistindo-o. Só que, ao contrário da
maioria das pessoas, o que mais me chama a atenção em sua obra são seus textos,
muitos deles com forte carga emocional, como, por exemplo, Mundo Moderno, tido
para muitos como clássico. Esse texto é simbólico, sobretudo por ter sido
composto basicamente com substantivos, verbos e alguns adjetivos, primando
assim pela ausência de preposições, artigos, pronomes. Ainda há esse toque
charmoso, as palavras todas iniciadas com a letra “M”, fator que dificulta a
criação, limitando sobremaneira o léxico, exigindo do autor toda a sua capacidade
criativa. Eu não diria jamais se tratar de um poema, como se afirma por aí, mas
de uma crônica singular.
Não
deixem de acompanhar, após a leitura do texto, a récita feita por Chico Anysio
no Programa do Jô. Uma beleza! Ele termina imitando Louis Armstrong em “What a
Wonderful World”. Um show à parte.
Obrigado Chico Anysio! Você sempre foi um show!!!
Mundo Moderno
Chico
Anysio
Mundo
moderno, marco malévolo, mesclando mentiras, modificando maneiras, mascarando
maracutaias, majestoso manicômio. Meu monólogo mostra mentiras, mazelas,
misérias, massacres, miscigenação, morticínio – maior maldade mundial.
Madrugada,
matuto magro, macrocéfalo, mastiga média morna. Monta matungo malhado munindo
machado, martelo, mochila murcha, margeia mata maior. Manhãzinha, move moinho,
moendo macaxeira, mandioca. Meio-dia mata marreco, manjar melhorzinho.
Meia-noite, mima mulherzinha mimosa, Maria morena, momento maravilha, motivação
mútua, mas monocórdia mesmice. Muitos migram, macilentos, maltrapilhos. Morarão
modestamente, malocas metropolitanas, mocambos miseráveis. Menos moral, menos
mantimentos, mais menosprezo. Metade morre.
Mundo
maligno, misturando mendigos maltratados, menores metralhados, militares
mandões, meretrizes, maratonas, mocinhas, meras meninas, mariposas
mortificando-se moralmente, modestas moças maculadas, mercenárias mulheres
marcadas. Mundo medíocre. Milionários montam mansões magníficas: melhor
mármore, mobília mirabolante, máxima megalomania, mordomo, Mercedes, motorista,
mãos… Magnatas manobrando milhões, mas maioria morre minguando. Moradia
meia-água, menos, marquise.
Mundo
maluco, máquina mortífera. Mundo moderno, melhore. Melhore mais, melhore muito,
melhore mesmo. Merecemos. Maldito mundo moderno, mundinho merda.
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mundo moderno,
programa do jô
quarta-feira, 21 de março de 2012
O retrato de um poeta oprimido pela rudeza do real
O
jornalista e escritor José Castello, traçou há poucos dias, no Valor Econômico,
um perfil de como vive atualmente o poeta Manoel de Barros, aos 95 anos, depois
de perder, há quatro, o filho do meio, João, e que “agora vigia à cabeceira de
seu filho mais velho, Pedro, que sofreu um AVC”. O retrato é o de um homem entristecido
e esgotado, ou como diz Castello, “oprimido pela rudeza do real”.
Trata-se
de uma das melhores e mais singelas matérias publicadas recentemente na
imprensa brasileira, um misto de crônica e relato, perpassados por uma breve
entrevista com esse poeta que a maioria de nós aprendeu a gostar e admirar.
Sugiro
que o texto seja lido em momento de calma e paz interior, pois é tocante. Para
acessar basta CLICAR AQUI.
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terça-feira, 20 de março de 2012
Música não se faz com a bunda
Ando
cansado de ouvir dizerem que a música contemporânea da Bahia é o lixo do lixo
do lixo. Trata-se de uma meia verdade, pois aqui, como em qualquer outro rincão
do país, do mundo, há, evidentemente, o que se aproveite e o que se descarte.
Portanto, música de gosto duvidoso não é um fenômeno unicamente baiano. É provável
até que na Bahia de hoje, como durante muito tempo, o que se produza de melhor
em relação à cultura seja mesmo música, mas não aquela, feita apenas com e para
a bunda, cujos intérpretes mais parecem adestradores de macacos (sai do chão,
sai do chão).
Por
isso pego uma ponga no texto de Henrique Wagner para lhes apresentar Luciano
Calazans, músico, compositor e arranjador, um contrabaixista maravilhoso, “que
vem honrando, na contramão da cultura baiana de hoje, ou seja, fazendo sua
contracultura, muito pessoal, com um baixo e uma banda de metais”. Segundo
Wagner, Luciano Calazans “já foi considerado por vários críticos um virtuose do
contrabaixo e gravou um delicioso Cd instrumental de canções suas, chamado
Contra baixo astral”.
Para
se comprovar o que afirmamos, vejam e ouçam a música do vídeo, gravado num show no
Teatro Eva Herz, em Salvador.
Ouça,
clicando aqui, outras canções do Luciano em seu site, onde também se poderá
adquirir seus Cd e conhecer um pouco melhor o artista.
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O menino e o mar
Ontem
estive com minha filha na praia. Por ser uma segunda-feira tudo estava muito tranquilo.
Não havia muita gente, tampouco música alta, o que mais me irrita em ambientes
públicos. O mar estava calmo, uma beleza. Flora corria para lá e para cá, se
divertindo com a nossa cachorrinha, a Bruna. Eu e sua mãe no seu encalço. De
repente Florinha segura em minha mão e ficamos juntos, de frente para o mar. Nesse
momento me foi inevitável lembrar um dos mais belos poemas de Cyro de Mattos.
O menino e o mar
Cyro de Mattos
Era
a primeira vez
Que
tinha ido ver o mar.
Todo
alegre, de calção,
Peito
nu e pé no chão.
Quando
viu tanta água
Fazendo
barulho
Sem
parar, disse:
–
Pai, me dê sua mão.
Para saber mais sobre o
poeta clique AQUI.
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O MENINO E O MAR
quinta-feira, 15 de março de 2012
Zico para Presidente da CBF
Pausa – mas nem
tanto – da poesia pra falarmos de futebol
Com
a saída de Ricardo Teixeira do comando da CBF, muita gente está de olho grande
no cargo máximo da entidade que administra o esporte que é a maior paixão do
povo brasileiro. Alguns deles, por exemplo, são: Marco Polo Del Nero (Presidente
da Federação Paulista de Futebol) e Andrés Sanches (ex-presidente do
Corinthians e atual coordenador de seleções da CBF). Até
o João Havelange fala em voltar. Porém, para a infelicidade
desses aí, um outro nome vem ganhando força entre a população, é o de Arthur
Antunes Coimbra, ou simplesmente, Zico.
No
bares, nas ruas, nas praças, nos estádios, só se fala em Zico na CBF. Imagino o
Galinho sendo ovacionado por todos, repetindo a cena de Platini e Beckenbauer,
ao ser anunciado no estádio, na abertura da Copa do Mundo, como presidente da confederação
de futebol do seu país. Qualquer dirigente brasileiro morreria de dor de
cotovelo. E isso é bem possível, sobretudo por ser um ídolo, mas também por ser
– até que provem o contrário – um homem íntegro e de caráter indiscutível,
conhecedor do futebol dentro e fora das quatro linhas.
Uma
campanha poderosa foi lançada ontem à noite com o nome do craque para presidir a
CBF. O movimento vem ganhando força e provocando uma reação em cadeia que já
atinge proporções continentais. Zico até já estaria viajando do Iraque, onde é
técnico da seleção daquele país, para o Brasil.
Tudo começou após uma articulação inédita
entre esportistas da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. As
lideranças afirmam que o movimento é apartidário, embora muitos políticos já
tenham revelado apoiar, como é o caso do Romário, por exemplo, se posicionando
favoravelmente.
Em
Quintino, a expectativa é grande e há vigília desde a madrugada na porta da
casa onde Zico nasceu. Zeca Pagodinho, Ronaldo (o gordo), Ronaldinho, Kaká e Martinho da
Vila também já manifestaram apoio. Mesmo
Sócrates, pouco antes de falecer, já havia proposto que Zico fosse o presidente
da CBF. Na porta do seu prédio, no Rio de Janeiro,
uma pequena multidão de jornalistas e curiosos já se aglomeram em busca de mais
informações.
O
movimento agora se espalha como um vírus pelas redes sociais e os analistas já
consideram inevitável a presença de Zico na presidência da CBF. Até a
presidente Dilma Roussef deve fazer um pronunciamento sobre o fato em algumas
horas...
Abaixo,
o manifesto que foi construído colaborativamente no facebook por amantes de
futebol:
“Queremos
Zico de novo, nos braços do povo. Não queremos nenhum peso morto. Queremos a
CBF mais autônoma e menos panaca, mais audaciosa e menos medrosa. Queremos,
principalmente, uma CBF parceira dos nossos clubes e mais democrática. Queremos
de volta o futebol perdido e as torcidas nos estádios. Abaixo à ditadura no futebol!
Queremos Zico na CBF!”
Isso
tudo me lembrou um poema que fiz pro Zico há algum tempo, quando da passagem do
seu 56º aniversário:
Pois é, Zico
De
pé em pé corre a pelota
com
seu destino mal traçado,
até
que encontra no caminho
quem
vai tratar-lhe com cuidado;
toda
a platéia se levanta
e
o galinho se agiganta
e
segue em frente, passo forte,
dribla
um zagueiro, depois outro,
no
pobre arqueiro dá um corte,
balança
a rede sem afã:
festejos
no maracanã!
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zico na presidência da CBF
O Presente
Alberto
da Cunha Melo
O que hoje recebes
e não podes pegar,
guardar
em panos e papéis
laminados,
é imperecível,
presente onipresente.
Estás com ele na chuva
e não temes que se
desfaça.
Estás com ele na
multidão
e não o escondes dos
mutilados.
O que não existe para
os homens
deles estará protegido,
o que os homens não
vêem
não poderão espedaçar.
Eis o que não te
denuncia
porque não tem face
nem volume para ser
jogado no mar.
Eis o que é jovem a
cada lembrança
porque não tem data
e série, para
envelhecer.
O que hoje recebes
não pode ser devolvido.
quarta-feira, 14 de março de 2012
Louvação a Castro Alves
Hoje,
14 de março, é o dia nacional da poesia, instituído em memória e celebração do
nascimento de Castro Alves no ano de 1847, na Fazenda Cabaceiras, próximo a
Nossa Senhora de Conceição de Curralinho, localidade que atualmente leva seu
nome, aqui na Bahia.
Castro
Alves queria ser um grande poeta, sobretudo um poeta político, que contribuísse
para mudar o estado de opressão em que viviam os escravos, pois via a poesia
como um meio, não como um fim em si. Segundo Alberto da Costa e Silva, no
perfil que fez para a Companhia das Letras sobre o poeta maior do Brasil, “foi
disso que nos quis avisar, ao pôr como epígrafe de A Cachoeira de Paulo Afonso dois parágrafos de Heine”. O primeiro
diz tudo: “Não sei se mereço que algum dia se deponha uma coroa de louros sobre
o meu túmulo. A poesia, apesar de todo o meu amor por ela, não foi para mim
senão um meio, consagrado a uma finalidade santa”. No segundo confessando que
tudo o que desejou foi ser “um bravo soldado na guerra para a libertação da
humanidade”.
Em
que pesem tais considerações, devemos observar que mesmo tendo pronto o livro “Os
Escravos”, Castro Alves empenhou todos os esforços para publicar primeiramente “Espumas
Flutuantes”, obra que não deixa dúvidas sobre o domínio estético e a
versatilidade que possuía. Mas foi como o Poeta dos Escravos que Castro Alves
perpetuou-se na literatura.
Faleceu
em 6 de julho de 1871, aos 24 anos, tendo deixado em tão pouco tempo de vida
uma obra monumental, capaz de colocá-lo no panteão da poesia universal graças,
sobretudo, ao se olhar para o povo oprimido e versos como os de Bandido Negro, considerados como de
incitação ao crime, por louvar os grupos de africanos que, armas em punho,
atacavam as fazendas e deviam, sem dúvida alguma, enfurecer os escravocratas.
Bandido Negro
(excertos)
Castro
Alves
Trema
a terra de susto aterrada...
Minha
égua veloz, desgrenhada,
negra,
escura nas lapas voou.
Trema
o céu... ó ruína! ó desgraça!
Porque
o negro bandido é quem passa,
porque
o negro bandido bradou:
Cai
orvalho de sangue do escravo,
cai,
orvalho, na face do algoz.
Cresce,
cresce, seara vermelha,
cresce,
cresce, vingança feroz.
(...)
E
o senhor que na festa descanta
pare
o braço que a taça alevanta,
coroada
de flores azuis.
E
murmure, julgando-se em sonhos:
"Que
demônios são estes medonhos,
que
lá passam famintos e nus"?
(...)
Somos
nós, meu senhor, mas não tremas,
nós
quebramos as nossas algemas
para
pedir-te as esposas e mães.
Este
é o filho do ancião que mataste.
Este
- irmão da mulher que manchaste...
Oh!
não tremas, senhor, são teus cães.
(...)
São
teus cães, que tem frios e tem fome,
que
há dez séculos a sede consome...
Quero
um vasto banquete feroz...
Venha
o manto que os ombros nos cubra.
Para
vós fez-se a púrpura rubra.
Fez-se
o manto de sangue para nós.
(...)
Meus
leões africanos, alerta!
Vela
a noite... a campina é deserta.
Quando
a lua esconder seu clarão
seja
o bramo da vida arrancado
no
banquete da morte lançado
junto
ao corvo, seu lúgubre irmão.
(...)
Trema
o vale, o rochedo escarpado,
trema
o céu de trovoes carregado,
ao
passar da rajada de heróis,
que
nas éguas fatais desgrenhadas
vão
brandindo essas brancas espadas,
que
se amolam nas campas de avós.
Cai
orvalho de sangue do escravo,
cai,
orvalho, na face do algoz.
Cresce,
cresce, seara vermelha,
cresce,
cresce, vingança feroz.
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